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COPA 2014: por que não protestaram antes?

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“Agora não adianta. Tinha que ter protestado antes.”

Terá alguma pessoa que se levanta contra a Copa do Mundo 2014 que não ouviu isso ainda? Acho difícil.

À primeira vista, quando me dirigiram essa frase, fiquei extremamente desconcertada e não soube responder. Eu sabia que havia algo de errado nela, só não sabia o quê – mas na minha cabeça, o princípio desse algo já estava formulado; eu me perguntava: quando foi que eu soube que sediaríamos a Copa?

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Também não soube me responder essa. Um flashback na cabeça: em 2009 comecei a faculdade, ainda não sabia. 2010 fui pra Portugal, ainda não sabia. 2011, ainda não sabia e já estava metida no meio de ativistas políticos por lá. 2012, voltei pro Brasil, agora tenho certeza que sabia, só não lembro de que jeito exatamente adquiri a informação.

Agora a resposta pr’aquela primeira pergunta é muito clara em minha mente. Se não queriam Copa, se era tão ruim assim, por que não protestaram quando o Brasil se candidatou? Por que, depois, não protestaram quando o Brasil foi escolhido? Por que protestar agora que tudo já está sendo construído e a roubalheira comendo solta? Ora, meu bem, que simples!

Uma rápida pesquisa na internet (sim, isso foi necessário pra mim, mera mortal que não acompanha o mundo esportivo), me mostrou que o Brasil se candidatou, junto da Argentina e Colômbia, em 2003 para ser a sede. Em março de 2006, a Confederação Sul-Americana de Futebol decide, por unanimidade, que o Brasil seria candidato único. Em julho do mesmo ano, Blatter, presidente da FIFA, disse que provavelmente nosso país seria a sede (e um ano depois, após visitar os estádios, diz que a escolha pode ter sido um erro e que o Brasil não teria condições de suportar o evento). Em 30 de outubro de 2007, a FIFA ratificou o Brasil como país-sede.

Agora sim, datas postas, vamos ao jogo dos muitos erros.Ao fazer essa pergunta falaciosa “por que não protestaram antes?” devemos ignorar n fatores, tais como:

  1. Que a mentalidade de hoje não é a mesma de 8 anos atrás, tampouco o contexto social e a difusão da informação.
  2. Que as pessoas que protestam hoje (vamos contar que sejam, hipoteticamente, jovens de 19 a 30 anos) eram 8 anos mais jovens.
  3. Que a divulgação não se deu de forma tão expressiva como quando se aproximou da confirmação e da realização do evento;
  4. Que as pessoas que são contra a Copa hoje (e estou falando da  população em geral, não o clássico militante de esquerda, partidário ou não, ou o recente e entusiasta ativista seguidor dos Anonymous) não seguem, necessariamente, as notícias e passos da FIFA diariamente como seu canal de informação preferidos.

Frente aos inúmeros problemas sociais brasileiros, eu sou sim contra a realização deste evento que enche o bolso da Fifa e esvazia os cofres públicos. Mas daí a perguntar por que diabos quase uma década antes, quando tinha 14 anos e não sabia nada de política e menos ainda de futebol, eu não fui protestar contra a candidatura do Brasil como cidade-sede ou, com 15 anos, contra a confirmação do Brasil para sediar o evento… É muita charlatanice. Isso tem nome: transferência de culpa.

Transferir a culpa da política de nossos governantes à população de modo geral. Eles escolhem, eles encabeçam, eles fazem e acontecem (e embolsam, desviam e encarecem) e nós levamos a culpa. Facílimo. Daí surgem pessoas e mais pessoas a dizer (e páginas e mais páginas fúteis do facebook)  que o povo brasileiro é burro, que nossa cultura é de pão e circo e ridícula, que temos políticos corruptos e a culpa é das pessoas e blábláblá.

Fazer essa pergunta, que no fundo é uma afirmação, uma acusação!, é fazer jogo sujo. E o jogo sujo deles. Ou simplesmente atestar uma tremenda ignorância. Temos que assumir que com a massificação do acesso às redes sociais, ou melhor (vou ser direta, porque sabemos qual é o canal mais forte), ao Facebook, facilitou enormemente a veiculação de informação. Pro bem ou pro mal, tudo corre à velocidade da luz. Qualquer um cria um post, um texto ou imagem muito convincente à primeira vista, e os comentários e compartilhamentos fazem logo da publicação a nova opinião fatídica nacional. É capa de jornal, de revista, tá na boca de todos, vira jargão em um segundo. Daí o perigo da coisa.

A análise superficial e errônea é facilmente feita e reproduzida, pois parece certa numa primeira leitura e não exige muito de seu receptor (quando mexe com problemas sociais então…hum! Aí inflama todo mundo sem importar se certa ou errada, porque toca o sentimento de indignação, de “estou sendo roubado” e de “a culpa é desse povo”). Ou seja, AGORA, quando a maioria dos brasileiros – bem informados ou não, que acompanham a política ou não – tem acesso à rede social, é muito fácil transferir a culpa pro povo, marcar manifestações, entender porque a Copa não é lucrativa para o povo. É fácil. Difícil era difundir essa informação nesse nível 8 ANOS ATRÁS. O que você faria? Montaria uma corrente pra mandar por hotmail ou colocaria no perfil do orkut?

O contexto social e a consciência das massas – por mínima ou leviana que seja – não é o mesmo de 8 anos atrás. A expectativa em relação à política (e aos políticos) não é, nem de longe, a mesma. Nem sequer de quatro anos atrás. Não quer dizer, entretanto, que já não houvesse manifestações naquela data e que elas não dialogassem com a Copa de hoje…

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Todas as manifestações referentes aos problemas sociais e à corrupção estão relacionadas com a Copa. Quem é contra a Copa, assim se diz porque entende que há problemas maiores, há prioridades mais urgentes, há um desfoco de investimento, há um prejuízo público. Problemas de saúde, educação, moradia, infra-estrutura, transporte público… isso já existia antes de apresentarem a candidatura brasileira e muito antes de sermos escolhidos também. E foram, sim, pautas de manifestações MUITÍSSIMO antes disso também.

Portanto, as manifestações de hoje não são menos válidas porque não ocorreram quando o Brasil foi escolhido (com um bando de pré-adolescentes que deveriam ter a mesma consciência política que pessoas de 20 ou 26 anos). Não são menos válidas porque não manifestamos em 2003, 2006 ou 2007. Outros manifestaram, outros se manifestam desde 20 anos antes ou mais, sobre outros problemas que afligem a todos. Que são problemas de todos, que é um problema econômico, que é um problema político… que agora é um problema brasileiro. A Copa só foi somada a tudo isso. A cereja estragada de um bolo estragado. Devemos deixar de protestar por isso? Claro que não.

Agora já sabem o que responder quando alguém (mal intencionado ou que redondamente enganado) te fizer essa pergunta.



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